sexta-feira, 6 de março de 2009

Esta é para você, Mariana

DONZELAS DA MINHA PRAIA
Crônica de Mário Simon

(Dez anos se passaram desde que escrevi esta crônica. As donzelas, que nela estão, hoje são donas de seu mundo. Uma delas, lembrando deste escrito, pediu-me que o publicasse novamente. Não sei como, mas ela disse que vai reler esta página lá no fundo dos Estados Unido, onde mora.)

Uma eu já conhecia de antanho; não tão antanho assim, é claro, como se verá por obviedade. A outra veio depois, pelo menos para mim, que tenho facilidade para perder da vista e da memória nomes e fisionomias. Juntas, elas, as donzelas de minha praia, e nós, o povinho da casa, deixávamos rolar uns dias de areia e mar, e muita chuva e tempo de sombras e “dolce far niente”. Recém vestibulada a primeira e, por isso mesmo, coberta de sensibilidades à flor da cútis e das ações, apesar de ter tido sucesso na monstruosidade que é um vestibular. A segunda, mais nova, atravessando a maré vazante do 2º Grau e a maré crescente dos quinze anos. Ambas adolescentes com todos os estereótipos dessa fase da vida expostos e, para completar, com as respectivas mães a tiracolo, literalmente.

- Manhe, estou entediada! Preciso da “nigth” urgentemente.

- Mãe, vou bordar.

- Que saco, manhe! Aqui não tem nada para fazer!

- Mãe, vamos para o “shopping”?

- Manhe, olhe aqui! Acho que vou comprar um Pálio! Será que Pálio é bom, tio?

- Mãe, olha esse ponto cruz como é lindo! Um barato.

- “Night”, “nigth”, ó Deus! Que saco essa casa! Vamos jogar canastra, tio?

- Tio, me ensina latim!

- Pelo amor de Deus, me levem para a Praia Mole!

- Mãe, os mosquitos me pegaram! Estou perdida!

Esse diálogo, que parece ser um diálogo, é, na verdade, um monólogo. Ou não! Poderá ser ambos, apesar do paradoxo. Basta intercalar as frases da primeira com as deixas da segunda. Traduzindo em miudos, tanto expõe a diferença entre elas, as donzelas de minha praia, como exprimem o tédio de uma só. Tédio que se avoluma de acordo com o balanço inseguro do pensamento, beliscando o que se pode chamar de depressão adormecida. E aí é que entra em jogo perguntas mil em relação a esses sentimentos contraditórios e explosivos dessas almas se abrindo para o dia da vida.

Ora, ora, minhas queridas donzelas! Que sabeis vós da vida muito mais que um palmo adiante do nariz? Essa vida que tendes nova e plena, da sola dos pés à última ponta do cabelo? Essa vida que expondes exuberante e luminosa por esses olhos de muitos sóis e deixam por eles vazar a alma inquieta e curiosa? Não vedes que tendes na pele o tempo dos séculos e a gostosura táctil das pétalas da quaresmeira? Não sentis no coração distâncias futuras e amplidões do mar? E junto não lhes tocam os impulsos das ondas que sacodem os oceanos e impõem mistérios ao universo? Pois sim, ó donzelas ainda púberes, dispondes vós de todos os caminhos que nós, donos já da curva do Cabo da Boa Esperança e de todos os segredos da vida, percorremos na busca das mesmas respostas, sem as encontrarmos, talvez! Mas felizes, no entanto, por termos pisado em todos os portos e, num deles, damos com vocês. Assim, livres como sois, cobertas de vida e de futuro, prenhes de sonhos tão próximos da realidade, que de direitos imprecais para serem donas de momentos de tédios e depressões? Com que créditos pensam entrar em fossas byronianas que nem Álvares de Azevedo conseguiu curtir? Rodeadas de amor, untadas de carinho, não será o pernilongo que marca a pele morena nessas tardes de modorra e umidade, nem a ausência da “night” que poderão desfazer o dom da glória que gozais e nem o sabeis. Isso é muito pouco para tanta vida, minhas caras donzelas da praia!

(Esse colunista optou pelas novas regras de acentuação gráfica)

4 comentários:

  1. Os ensinamentos do Deco e do Fábio ajudaram a trazer do Word para o Blogg, mas ainda com restrições ao formato anterior. Dá pra ler, dá!

    Mariana, lembra do Perequê desses dias turbulentos?
    Tio Mário com beijos.

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  2. Obrigada, tio Mário.

    Não tenho saudades dos sentimentos contraditórios e explosivos da época, mas da mágica daquela sensação de ter tudo ainda para ser explorado, e da felicidade ser tão baseada num futuro próximo, onde seríamos todos rainhas e conquistadoras no império silencioso das nossas fantasias - disso sinto falta sim.

    Adoro essa crítica, tão verdadeira na época "Que sabeis vós da vida muito mais que um palmo adiante do nariz? Essa vida que tendes nova e plena, da sola dos pés à última ponta do cabelo?"

    Sabíamos nada, e sabemos agora..?!

    Agora nesta frase aqui tu te superou nos teus dotes de bruxo:
    "Não sentis no coração distâncias futuras e amplidões do mar?"

    A outra donzela da foto, pra quem não sabe, é a Bethânia filha da Márcia, outra louca que está sozinha pelo mundo há anos e no momento mora em Barcelona, ou talvez já tenha se mudado pra Londres.

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  3. quiz dizer a outra donzela da "crônica", não da "foto". Se bem que tem foto desses dias em Perequê em algum lugar por aí. A gente bordando, jogando canastra e reclamando do tédio. Se eu soubesse que falta Perequê faria um dia.

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  4. Tio Mário, fuça aí que esse negócio de blog é mais fácil do que parece... e a formatação é básica mesmo...

    Quanto à crônica... sempre achei o Sr. Mário Crenolbe Simom um excelente para-raios... captou perfeitamente o momento vivido e ainda anteviu outros...

    abraços...

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